Cigarro eletrônico, popularmente conhecido como vape, é um dispositivo que possibilita ao usuário a inalação de diversas formas de aerossóis aquecidos, mas que não sofrem combustão —característica que o diferencia do cigarro tradicional.
Não há evidências convincentes de que o cigarro eletrônico sirva como estratégia de cessação do tabagismo —razão pela qual foi criado. Azar na ciência, sorte no mercado. Projeta-se que a receita gerada pelos vapes possa atingir US$ 26 bilhões em 2024. No Brasil, uma pesquisa recente do Ipec apontou quase 3 milhões de usuários, o que representa um aumento de 600% nos últimos 6 anos.
Tal sucesso deve-se a um irresistível combo de fatores químicos e comportamentais. Além de substâncias tóxicas e potencialmente carcinogênicas, o vapor inalado dos cigarros eletrônicos contém, na imensa maioria dos casos, nicotina, uma droga altamente viciante.
Vapes também oferecem uma grande variedade de aromas agradáveis e não emitem aquela fumaceira “cringe”, como dizem os modernos, dos cigarros tradicionais, o que torna seu uso mais socialmente aceitável em qualquer hora e situação —da sala de aula ao almoço em família.
Além disso, muitos usuários não conseguem quantificar o consumo de cigarros eletrônicos. Isso ocorre porque a quantidade de “puffs” (tragadas) que um vape oferece pode variar significativamente, dependendo do tipo de dispositivo, da capacidade do líquido e da bateria. Assim, torna-se complicado perceber exageros, identificar emoções ou situações que predispõem ao uso e implementar estratégias de cessação de fumo.
O conhecimento acerca dos impactos dos cigarros eletrônicos na saúde segue em evolução. Em 2015, a Agência de Saúde Pública do Reino Unido considerou que esses dispositivos eletrônicos, por não produzirem químicos derivados da combustão, eram 95% mais seguros do que os cigarros tradicionais. Desde então, entretanto, a ciência avançou e, recentemente, uma revisão de 107 estudos populacionais chegou a uma diferente conclusão.
O estudo demonstrou que usuários de cigarros eletrônicos e tradicionais apresentam riscos similares para doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral e disfunção metabólica. No entanto, os primeiros têm menores riscos de asma, doença pulmonar obstrutiva crônica e doenças orais. Aqueles que usam ambos os tipos de cigarros vêm seus riscos dispararem para todas as doenças avaliadas, comparados com fumantes de cigarros tradicionais e, sobretudo, em relação aos não fumantes.
Esses achados não são definitivos. Como em qualquer área jovem de investigação, as evidências sofrem com limitações, tais como a predominância de pesquisas transversais (que não permitem estabelecer uma clara relação de causa e efeito) e, no caso dos estudos longitudinais, um curto acompanhamento de usuários (o que impede predizer com maior precisão o que acontecerá com jovens usuários).
Mas, na saúde pública, informação imperfeita é melhor do que ausência de informação. E o que se sabe até o momento —com dados acumulados da ciência básica à epidemiologia— é que os cigarros eletrônicos estão bem longe de serem inofensivos.
Esses dispositivos são a nova galinha dos ovos de ouro da indústria tabagista, que se renova em sua saga contra a saúde coletiva, sem perder os jovens clientes da alça de mira. Essa história é bem ilustrada no documentário “Big Vape” (2023). O assunto será retomado mais adiante.
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