O patrimônio milionário de Pablo Marçal, terceiro colocado na disputa eleitoral em São Paulo neste ano, teve origem em uma carreira de influenciador e coach. Além de empreendimentos imobiliários e fazendas, o político continua a vender cursos de até R$ 250 mil e produtos nos quais recebe comissão —duas estratégias típicas dos criadores de conteúdo.
A atividade do autodenominado ex-coach é apenas um bloco no império da chamada economia dos criadores, que faz girar as engrenagens dos conglomerados trilionários das redes sociais. O termo é adotado desde 2011 pelo YouTube, que foi a primeira empresa a incentivar as pessoas a encararem seus próprios canais pelo viés dos negócios.
Esse setor movimentou US$ 250 bilhões (R$ 1,37 trilhão na cotação atual) em 2023, segundo o banco Goldman Sachs. Na atividade, contudo, uma ínfima minoria é milionária, parte não consegue fazer dinheiro e muitos nem aparecem nas telas, segundo a diretora da YouPix no Brasil, Rafaela Lotto.
“Envolve a plataforma, a tecnologia, o fone de ouvido e o ringlight que eu comprei, os serviços financeiros, as ferramentas de monetização, os links de afiliados do varejo —é tudo o que gira em torno do criador.”
Pesquisa da YouPix mostra que a faixa de renda mais comum dos influenciadores fica entre R$ 2.000 e R$ 5.000. Por outro lado, 18,4% dos brasileiros criadores de conteúdo está em uma situação de trabalho não remunerado.
Em comum, esses profissionais têm o uso das redes sociais como vetor de divulgação do seu serviço ou produto. As plataformas, de um lado, permitem que cada pessoa tivesse o próprio canal de transmissão; de outro, influenciam o comportamento dos influenciadores por meio de algoritmos e ferramentas, dizem pesquisadores do tema.
Na lógica das redes sociais, provocar reações no público gera valor, de acordo com a professora da Escola de Comunicações e Artes da USP Carolina Terra. “Os cortes do Marçal são um exemplo, vão na linha do polêmico, do absurdo, e isso vende muito mais do que um conteúdo bacana.”
Para Terra, é a mesma lógica que levou a advogada e influenciadora Deolane Bezerra a desrespeitar as condições impostas pela Justiça ao dar entrevista e perder, na sequência, o benefício de prisão domiciliar logo após sair do presídio onde estava detida. Ela deixou a cadeia dias depois por decisão da Justiça. “O engajamento se pauta pelo que está em alta. É o que gera visualização, viralização, e o algoritmo incentiva essa agressividade.”
As principais plataformas do mercado, contudo, afirmam que essa suposta tendência ao apelativo relatada por pesquisadores seria ruim para os negócios e, por isso, seria combatida pelas normas de uso. Os anunciantes são, por regra, avessos ao risco, afirma Lotto, da YouPix.
Por esse mesmo motivo, os influenciadores precisam fazer um cálculo para equilibrar engajamento e reputação.
Os acordos com marcas ainda são a principal fonte de renda para quase 7 a cada 10 influenciadores, segundo a plataforma Doofinder. Essa estratégia, porém, depende do alcance e da reputação do influenciador e vem perdendo espaço para outras abordagens.
Na sequência, vem a monetização dos anúncios das próprias plataformas, que são uma fonte viável de recursos apenas para os perfis mais seguidos. Depois, os empresários e profissionais liberais como médicos, nutricionistas e advogados que promovem a própria carreira. Crescem ainda os cursos e os produtos digitais.
A trancista de cabelos Rafaela Xavier, por exemplo, reúne quase 60 mil assinantes no YouTube e 115 mil seguidores no Instagram e tem na venda de cursos a principal fonte de renda. Para a estratégia de seu canal, diz a influenciadora, nunca fez sentido apelar para a polêmica. “Temos um público bem nichado, com uma alta taxa de conversão. Nós ganhamos na qualidade do conteúdo”, diz.
Hoje, ela tem uma equipe de nove pessoas para cuidar de redes sociais, assinantes, suporte das alunas, comercial, contador e editor de vídeo. A captação de áudio e vídeo ainda é terceirizada.
No mercado de produtos digitais, no entanto, a qualidade não é a regra. A capacidade de vender do anunciante determina o sucesso. “O infoproduto pode ser de qualquer coisa comercializável, não existe um segmento específico” diz Beatriz Pinheiro, pesquisadora na Escola de Comunicação, Mídia e Informação (ECMI) da FGV.
O ímpeto comercial se repete no marketing de afiliados. Nessa modalidade, pessoas espalham links identificados de produtos e serviços na esperança de receber uma comissão. Além disso, tentam convencer outras pessoas a fazer o mesmo visando à obtenção de comissões sobre as comissões. Com o efeito de rede, quem está no topo dessa pirâmide obtém os maiores ganhos.
Como precisam vender muito para lucrar, os afiliados recorrem até a publicidade enganosa, de acordo com Terra, da USP. O volume dos anúncios dificulta a fiscalização. “Nem sei como isso seria feito, não há braço nem ferramentas hoje, o Conar [Conselho Nacional da Autorregulamentação Publicitária] é reativo e só recebe queixas.”
Em nota, a entidade afirma que a publicidade por influenciadores e afiliados tem sido o formato com maior número de queixas recebidas.
Para não depender de uma só plataforma ou rede social, criadores buscam diversificar a renda da mesma forma que empresas, segundo Rafael Sbarai, professor de Estratégia Digital dos MBAs do Insper, FGV e Mackenzie.
“Mais recentemente, alguns profissionais encontram na assinatura uma possibilidade de aumento de ganhos. Já vemos casos em que produtores de conteúdo aderem a serviços como a Substack, de newsletters, ou até a recursos exclusivos de redes, como o Assinaturas, do Instagram, em que os assinantes pagam uma mensalidade para visualizarem conteúdo exclusivo destacado”, afirma o especialista.