Quem conta é ninguém menos que o poeta romano Virgílio (70–19 a.C.) em sua obra épica “Eneida”. Dido, rainha de Tiro, na Fenícia, navega para oeste com seus partidários, fugindo à perseguição do irmão, Pigmaleão. Chegada à atual Tunísia, ela negocia com o rei local, Japon, um espaço para o seu povo. A troco de pagamento, Japon concorda em lhe ceder “toda a terra que conseguir marcar com uma pele de boi”.
Astuciosa, Dido ordena que a pele seja cortada em tiras muito finas, costuradas de modo a formar um longo cordão, que ela usa para delimitar uma área semicircular na costa suficiente para construir uma grande cidade. Assim nasce Cartago (“Terra Nova” no dialeto de Tiro), cujo destino é tornar-se a mais perigosa inimiga que Roma alguma vez enfrentou.
Impressionado com a inteligência da rainha, Japon a pede em casamento, mas Dido recusa. Então o rei constrói uma universidade, esperando dessa forma atrair uma futura esposa com igual talento matemático. Já pensou, querida leitora, caro leitor, como seria ótimo se não fosse uma lenda?!
A questão matemática por trás da astúcia de Dido —que chamamos problema isoperimétrico— foi formulada no século 2 a.C. pelo grego Zenodorus (200–140 a.C.): “De todas as figuras planas com um perímetro dado, qual tem maior área?”. O perímetro é o comprimento da fronteira da figura: no caso de Cartago, ele corresponde ao comprimento do cordão.
Pouco se conhece da vida de Zenodorus, e o seu trabalho original também se perdeu. Mas comentários dos matemáticos helenísticos Pappus (290–350) e Theon (335–405), ambos de Alexandria, indicam que ele provou que o círculo tem maior área do que qualquer polígono regular com o mesmo perímetro e que entre esses polígonos regulares tem maior área o que tiver mais lados. Notavelmente, Zenodorus também estudou a versão 3D do problema, mostrando que a esfera é o objeto sólido com maior volume entre todos com uma área de superfície dada.
Não foram só os matemáticos que se interessaram pelo problema isoperimétrico. Em “História dos Reis da Bretanha”, crônica de lendas do rei Artur escrita no século 12 por Godofredo de Monmouth (1100–1155), o duque alemão Hengist pede ao rei Vortigern que lhe pague seus serviços militares com terras.
“Concede a teu servo tão somente o quanto possa ser circundado por uma única correia dentro da terra que me deste, para que eu possa construir um lugar alto no qual, se necessário, eu possa me instalar”.
Concedido o desejo, “Hengist imediatamente pegou o couro de um touro e o forjou em uma única correia com a qual cercou um lugar pedregoso que havia escolhido com astúcia e, dentro do espaço assim delimitado, começou a construir um castelo”.
Para Dido não termina bem. Ela acolhe em sua cidade os refugiados da queda de Troia e se apaixona pelo líder, o belo príncipe Eneias. Quando este a rejeita, partindo para cumprir seu heroico destino, Dido não resiste e comete suicídio. Mas, para a matemática, a aventura está apenas começando.
A solução completa do problema isoperimétrico só será obtida no século 19. Vale conferir na semana que vem.
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