A união do óvulo e do espermatozoide é crucial para todos os animais que se reproduzem sexualmente. Mas exatamente como ela ocorre tem sido um mistério para os cientistas.
Um estudo publicado na última quinta (17) na revista Cell mostra que um feixe interligado de três proteínas é a chave desse processo. E esse feixe é compartilhado por animais tão distantes quanto peixes e mamíferos, e muito provavelmente também está presente em humanos.
Entre quase todos os animais na Terra, um espermatozoide abre caminho até a membrana celular de um óvulo. De alguma forma, as duas células se reconhecem e se unem. Então, num piscar de olhos, a cabeça do espermatozoide passa para dentro do óvulo, como se estivesse atravessando uma porta. A célula fundida se torna um zigoto e está pronta para se desenvolver em um novo animal.
Em pesquisas anteriores, cientistas haviam encontrado quatro proteínas no espermatozoide de mamíferos que também aparecem no espermatozoide de peixes e são necessárias para a fertilização. Ninguém sabia, porém, se elas poderiam trabalhar em equipe para entrar em um óvulo, ou como.
No novo estudo, a bióloga molecular e do desenvolvimento Andrea Pauli, do Instituto de Pesquisa de Patologia Molecular em Viena, e colaboradores de várias instituições analisaram como as proteínas do espermatozoide poderiam se unir durante a fertilização.
Os pesquisadores adotaram o AlphaFold, desenvolvido pela DeepMind, do Google, e que esteve por trás do prêmio Nobel de Química deste ano.
Com o programa, que usa IA para prever a forma de uma proteína, a equipe pôde comparar as quatro proteínas do espermatozoide compartilhadas entre mamíferos e peixes com uma biblioteca de cerca de 1.400 outras proteínas encontradas nas superfícies celulares nos testículos de peixe-zebra, em busca de possíveis parceiras.
“Queríamos encontrar algo que soubéssemos que estaria no lugar certo e na hora certa”, disse Victoria Deneke, pesquisadora pós-doutoranda no laboratório de Pauli.
Mesmo para o AlphaFold, isso foi um desafio. “Estava rodando por duas ou três semanas”, disse Deneke, monopolizando os recursos de computação do campus.
“Outras pessoas no instituto não ficaram tão felizes”, acrescentou Pauli.
O AlphaFold previu que duas das proteínas espermáticas compartilhadas originais se ligariam uma à outra, juntamente com uma terceira proteína que era desconhecida anteriormente, formando um trio.
Experimentos de laboratório confirmaram o palpite do programa: os peixes-zebra machos que não tinham a terceira proteína recém-descoberta eram inférteis, assim como os ratos machos. Seus espermatozoides nadavam normalmente, contudo não conseguiam se fundir com um óvulo.
Os cientistas encontraram ainda evidências bioquímicas de que as três proteínas dos espermatozoides funcionavam como uma unidade, tanto nos peixes-zebra quanto nos humanos.
É provável que o mesmo conjunto crucial exista em muitos —ou todos— os animais com espinha dorsal, segundo Pauli.
Ela descreveu o conjunto de proteínas dos espermatozoides como uma espécie de chave, que se encaixa em uma fechadura em uma célula de óvulo. Nos peixes, essa fechadura é uma proteína chamada Bouncer.
Pesquisas anteriores também identificaram uma molécula de fechadura nos óvulos de mamíferos, que se liga a uma das proteínas do conjunto de três proteínas. Curiosamente, porém, a fechadura dos mamíferos não é a Bouncer. É uma proteína não relacionada chamada Juno.
Isso significa que em algum momento da história, os animais devem ter evoluído diferentes proteínas para se ligarem ao pacote de proteínas do espermatozoide. Isso apresenta um mistério, de acordo com Pauli. A fechadura mudou, mas, de alguma forma, “a chave no espermatozoide permaneceu a mesma”, continuou ela.
Mais cedo neste ano, um outro grupo de pesquisa usou independentemente o AlphaFold e previu a existência do mesmo conjunto de três proteínas em mamíferos.
“O fato de dois grupos independentes terem chegado às mesmas conclusões certamente aumenta nossa confiança nos resultados”, disse a bióloga reprodutiva Amber Krauchunas, da Universidade de Delaware —ela não esteve envolvida na nova pesquisa.
“Certamente há mais trabalho a ser feito para desvendar os mistérios da fertilização”, ponderou a bióloga. Por exemplo, algumas proteínas do esperma são conhecidas por serem compartilhadas entre mamíferos e peixes, mas não fazem parte desse conjunto. O que elas estão fazendo, então?
“Essa é uma pergunta fundamental com tão poucas respostas moleculares”, respondeu Pauli.