Tenho um amigo que indaga sobre tudo o que faço. Se o grande Sócrates, o filósofo, estivesse minimamente preocupado com as coisas práticas, daria pra dizer que meu parça é uma sorte de Sócrates do comezinho, a querer desencavar minhas razões mais profundas e íntimas quando, por exemplo, eu ocupo demais o espaço do escorredor com xícaras e copos posicionados um tanto aleatoriamente.
Ele também acha que eu deveria transferir o longão do sábado para o domingo para que eu assim pudesse usufruir da tarifa zero dos ônibus paulistanos na eventualidade de o cascalho me levar para muito longe do ponto de partida. Considera uma questão de falta de lógica, não exatamente de economia, empenhar sem necessidade R$ 4,40.
Pois bem, às vezes correndo eu tenho alguns pensamentos como esses do meu amigo. Vejo uma corredora fazendo movimentos um tanto tortos com uma das pernas e digo a mim mesmo que sua mecânica está errada. Que o braço daquele camarada na rampa da ponte da USP poderia se movimentar mais vigorosamente para dar conta melhor da subidinha.
Pequenas correções nos movimentos são sem dúvida bem-vindas, mas o ponto é que a corrida é essa atividade física proverbialmente democrática porque, além de barata, todos nós sabemos praticá-la. Corríamos mais do que andávamos quando crianças, e esse conhecimento ancestral segue milênios após milênios sendo mobilizado.
Assim, causa bastante estranheza quando alguém diz não saber correr. Talvez seja uma maneira desse alguém se livrar da enésima conversa sobre corrida, quando o interlocutor, endorfinado ou não, só consegue lhe falar coisas boas sobre o cascalho.
Algumas limitações físicas como sobrepeso, eventuais dores do joelho, tudo isso tampouco são boas desculpas, como costuma explicar a fisioterapeuta Raquel Castanharo, aquela que receia morrer de tédio caso seu treino ultrapasse os 21km.
Pelo contrário, ela vê na corrida um dos vetores mais efetivos para as pessoas acima do peso ou até mesmo com condromalácia –desgaste da cartilagem do joelho–, aqui com apoio de exercícios de fortalecimento, adotarem uma vida saudável.
Ter um treinador ou estar numa equipe com outros corredores é ótimo, até para que o professô refreie a vontade de correr todos os dias, algo que é muito comum entre iniciantes, que não raro viciam no negócio. É muito recomendável alternar a corrida com outras atividades, especialmente se você não faz questão de ficar com os membros superiores opressos de um queniano.
Ele não me deu salvo-conduto para isso, mas o Wanderlei Oliveira, o brilhante e cool WO, um dos treinadores pioneiros da corrida em São Paulo, está literalmente na pista, e talvez possa acolher novos pupilos lá no Centro Olímpico da Vila Clementino, na zona sul paulistana.
Mas, se ele não puder, ou quiser, siga ao menos o conselho que ele dá diariamente logo cedo em sua conta do X: “Vamos correr!”.
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