Dois casos que envolvem jogadores de futebol e violência contra a mulher ganharam as telas. Esta semana estreou a série documental O Caso Robinho, no Globoplay, um mês depois de a Netflix ter lançado A Vítima Invisível — O Caso Eliza Samudio. A maioria das pessoas conhece essas histórias, que deveriam acender uma discussão importante: o que dirigentes de futebol, jornalistas especializados, atletas e torcedores têm feito para mudar o ambiente machista, misógino e homofóbico que existe nos clubes e reverbera fora deles?
Ao longo da última década, os movimentos sociais conseguiram avançar na discussão de temas como desigualdade de gênero, etnia e orientação sexual. No entanto, o machismo e a homofobia parecem ainda ter raízes profundas em todo o universo do futebol —nos clubes, nas escolinhas de base, nos vestiários e nas relações sociais.
Jogadores crescem em ambientes machistas, onde são expostos a uma cultura que valoriza a virilidade, a competitividade extrema e a resistência emocional. Desde as categorias de base, são incentivados a provar sua masculinidade e a evitar atitudes consideradas “femininas”, como sensibilidade ou empatia. Além disso, piadas e comentários que desvalorizam as mulheres são comuns, e as figuras de autoridade ao redor —treinadores, colegas e gestores— raramente questionam essa cultura.
Existe outra competição fora dos campos: a demonstração dessa virilidade. Com quantas mulheres eu desfilo, quantas mulheres conquisto, quantas estão no meu camarote. Esses jogadores, em geral, andam rodeados por outros homens, alheios a qualquer discussão sobre violência emocional, verbal ou física contra a mulher. Vivem em bolhas, em incubadoras de masculinidade tóxica e violenta. Como figuras públicas, influenciam jovens atletas e torcedores, servindo de exemplo para a normalização de visões machistas e comportamentos misóginos, sinalizando que tais atitudes são aceitáveis. Pior ainda, fortalecem o estereótipo positivo do “jogador garanhão, comedor, farrista, irresponsável”.
Nas apurações dos crimes cometidos por Robinho e por Bruno, fica evidente o desprezo pelas vítimas, endossado pela reação coletiva de torcedores, técnicos, dirigentes e jornalistas, que tratam as mulheres como culpadas pela violência que sofreram.
O futebol, pelo seu alcance e influência, deveria ser um instrumento de transformação social, de formação de bons valores e de bons cidadãos. Já passou da hora de isso mudar. Os clubes têm a obrigação de implementar políticas que preparem novos jogadores, desde meninos, para que deixem de reproduzir comportamentos abusivos e criminosos. A maioria dessas crianças, que sonha em ser um astro do esporte, se espelha no que vê. No pacote do profissional bem-sucedido, estão gols, vitórias, contratos milionários, viagens e, infelizmente, o culto à misoginia.
No documentário sobre Robinho, das 10 horas de conversas interceptadas pela polícia, ele diz a única coisa sensata para os outros estupradores: que o episódio deveria servir de lição, que eles tinham que “parar com essas palhaçadas, virar homem e crescer”.
A “palhaçada” a que ele se refere se chama estupro.
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