Penas de prisão por protestos em museus e por bloqueios em estradas, multas de milhares de euros por pichações, acusações de terrorismo e de conspiração: em vários países da Europa, os ativistas ambientais vêm enfrentando um endurecimento das medidas contra suas manifestações.
Nesta semana, a Justiça da Dinamarca prolongou a prisão de Paul Watson, fundador da ONG Sea Shepherd e um dos mais conhecidos ativistas contra a caça às baleias. Com isso, o país arrasta a decisão de um pedido de extradição feito pelo Japão, uma das últimas nações do mundo a prosseguir com a atividade baleeira.
Watson, 73, foi detido em julho na Groenlândia, território autônomo dinamarquês, por conta de um mandado de captura internacional. O Japão acusa o canadense-americano de ter provocado ferimentos em um membro da tripulação, além de prejuízo financeiro, durante uma ação contra uma embarcação japonesa que pescava baleias na Antártida em 2010.
O ambientalista, que se declarou inocente de todas as acusações, pediu asilo político ao presidente da França, Emmanuel Macron. O governo francês ainda não se manifestou sobre a requisição.
No âmbito das Nações Unidas, a preocupação com a situação dos ativistas vem aumentando. No fim de 2021, pela primeira vez, houve a indicação de um relator especial da ONU para os defensores ambientais, sob a Convenção de Aarhus, um tratado internacional que estabelece os direitos do público de acessar informações, participar da tomada de decisões e buscar justiça em questões ambientais.
Com larga experiência em direitos humanos, o advogado francês Michel Forst foi escolhido para o posto. Em maio, ele assinou um relatório chamando a atenção para o aumento da repressão e da criminalização de protestos ambientais e dos atos de desobediência civil pacífica.
“A repressão que os ativistas ambientais que utilizam a desobediência civil pacífica estão atualmente enfrentando na Europa é uma grande ameaça à democracia e aos direitos humanos. A emergência ambiental que estamos coletivamente enfrentando, e que os cientistas têm documentado há décadas, não pode ser resolvida se aqueles que soam o alarme e exigem ação forem criminalizados por isso”, afirmou.
O documento identifica uma tendência crescente de repressão e de restrição de liberdades, onde defensores ambientais têm sido rotulados até como “ecoterroristas” ou ameaças à democracia. Há ainda menções ao aumento da truculência policial e da linguagem hostil em referência àqueles que participam dos protestos.
O aumento das medidas repressivas, segundo o relator, pode ter um “efeito inibidor” sobre os ativistas, desencorajando o engajamento.
No Reino Unido, que desde 2022 vem aprovando novas regras contra as manifestações, as punições aos ambientalistas estão cada vez mais duras.
No fim de setembro, duas jovens foram condenadas por terem lançado sopa de tomate contra o quadro “Girassóis”, de Van Gogh, durante uma ação na National Gallery, em Londres.
Embora a obra estivesse atrás de um vidro de proteção e não tenha sido comprometida, Phoebe Plummer, 23, foi sentenciada a dois anos de prisão por “dano criminoso”. Sua companheira no protesto, Anna Holland, 22, foi condenada a 20 meses de detenção pelo mesmo crime.
Em julho, também no país, cinco ativistas ambientais do grupo Just Stop Oil foram condenados à prisão por participarem da organização de uma manifestação que bloqueou parcialmente a autoestrada M25. Quatro ambientalistas foram condenados a quatro anos de detenção, enquanto o cofundador do movimento ambiental terá de passar cinco anos atrás das grades.
Essas penas foram as mais longas já atribuídas a pessoas envolvidas em protestos não violentos no Reino Unido.
Diversos relatórios independentes vêm chamando a atenção para o agravamento da repressão na Europa, após o aumento da intensidade –e da variedade– das manifestações contra as mudanças climáticas.
Na Alemanha, várias cidades impuseram proibições a protestos relacionados ao clima, com destaque às limitações para as ações realizadas em rodovias.
Na Itália, a chamada lei contra o ecovandalismo, em janeiro de 2024, introduziu sanções que variam de um a cinco anos de prisão e multas de até 10 mil euros (R$ 61,4 mil). A nova legislação prevê até seis meses de reclusão ou multa de até mil euros (R$ 6,1 mil) para protestos que causem danos, ainda que superficiais, a obras de arte.
O braço europeu da CAN (Climate Action Network), rede que reúne mais de 200 organizações não governamentais no continente, também publicou um relatório destacando os crescentes desafios enfrentados pelos ativistas ambientais na região.
“Como organização, achamos isso profundamente preocupante, pois os ativistas estão simplesmente tentando conscientizar sobre questões cientificamente reconhecidas, como as mudanças climáticas perigosas e a crise da biodiversidade”, disse Romain Didi, coordenador de governança e de políticas de direitos humanos da CAN Europe.
“É realmente problemático atacar o mensageiro, porque, ao fazer isso, não se está enfrentando a raiz do problema que ele está comunicando. Na minha opinião, os governos deveriam se concentrar mais em combater as mudanças climáticas perigosas e a perda de biodiversidade, em vez de atacar os ativistas que estão apenas retransmitindo o que os cientistas estão dizendo.”
Na avaliação de Romain Didi, a questão vai muito além das medidas judiciais mirando os ativistas.
“Por exemplo, muitos políticos, incluindo representantes eleitos, usam uma linguagem muito dura ao se referirem a ativistas climáticos, chamando-os de ‘ecoterroristas’ e de outras coisas. Acho que este é definitivamente um dos aspectos da repressão que os ativistas estão enfrentando, pois essa linguagem legitima as sentenças severas que são impostas a eles”, completou.
Para tentar lidar com o aumento da repressão, ambientalistas e organizações não governamentais têm organizado iniciativas de apoio, incluindo aconselhamento jurídico e psicológico para os ativistas.
Em seu posicionamento, o relator especial da ONU para os defensores ambientais enfatizou que a desobediência civil pacífica “é protegida pelos direitos de liberdade de expressão e reunião, conforme estipulado nos artigos 19 e 21 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos”. Forst pontuou que ações não violentas, mesmo quando disruptivas, não devem ser tratadas como atividades criminosas.