O Brasil e o México somam, juntos, 58% de toda a pesquisa sobre biodiversidade produzida na América Latina. Os dois países são considerados megadiversos, com cerca de 12% de toda a biodiversidade do planeta presente na América Latina —10% só no Brasil.
No contexto global, Europa (32%), Estados Unidos junto com Canadá (17%) e Sudeste Asiático (incluindo a China —16%) lideram a pesquisa na área, com a maior concentração de artigos publicados de autores destes países. A América Latina representa 11% dessa fatia, mas por aqui a razão entre estudos produzidos sobre biodiversidade em relação a todas as outras áreas é cerca de três vezes a média global.
Esses são os resultados de um relatório global sobre a pesquisa de biodiversidade produzido pela Elsevier, uma das principais editoras científicas do mundo, divulgado no último dia 15, às vésperas da COP16 da biodiversidade. A cúpula da ONU sobre o tema deve ser encerrada nesta sexta (1º) em Cali, na Colômbia.
O relatório “Pesquisa em Biodiversidade em 2024 – Uma Perspectiva Global com Foco na América Latina” analisou dados de cerca de 137 mil artigos científicos indexados na base científica Scopus, que guarda informações de mais de 85 milhões de publicações editadas por mais de 7.000 editoras científicas no mundo. Os artigos incluídos no estudo foram publicados de 2019 a 2023.
O documento também destaca que os estudos produzidos sobre o tema são, em geral, 20% mais citados do que a média de outras áreas científicas, como engenharia e medicina, e sua inclusão para a criação de políticas públicas também é cerca de três vezes maior do que em outras áreas.
No caso da pesquisa científica sobre a amazônia, o Brasil lidera em produtividade, com cerca de 2.500 estudos com autores no país, à frente dos Estados Unidos (1.400) e Reino Unido (750).
Para Mauro Galetti, pesquisador do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças Climáticas da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Rio Claro, o novo relatório evidencia a força dos estudos de biodiversidade no Brasil.
“O Brasil é um dos líderes na produção científica de biodiversidade, e esses estudos têm um impacto elevado, cerca de 20% maior. Isso mostra a importância do fortalecimento da área, que de certa forma sempre foi um pouco negligenciada em termos de fundos”, avalia.
Ele lembra, no entanto, que o crescimento de publicações na área é um reflexo de 30 anos de empenho das agências de fomento nacionais.
“O apoio dos programas de pós-graduação da Capes [Coordenação de Apoio de Pessoal de Nível Superior, ligado ao Ministério da Educação] e do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] foi fundamental para essa produção. Mas estamos correndo contra o tempo, porque o ritmo de degradação [da natureza] hoje é maior do que o ritmo de formação de novos pesquisadores, que leva em média dez anos —o dobro do que um médico, por exemplo”, ressalta.
O físico Carlos Henrique de Brito Cruz, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que assina o relatório da Elsevier, também destaca a necessidade de apoio.
“Essa comunidade precisa de treinamento, no caso de jovens pesquisadores, mas também interesse de entidades capazes de financiar essa pesquisa, como a Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] faz em São Paulo e o CNPq e Capes fazem fora”, diz.
Brito Cruz foi presidente da Fapesp na época da criação do programa Biota, fundamental no fomento à pesquisa em biodiversidade no país.
O Biota levou à produção de políticas públicas e até legislações próprias. “É o único caso no mundo de conexão direta e pesquisa com a política pública”, diz.
Luisa Diele-Viegas, bióloga, professora visitante e coordenadora do Laboratório de (Bio)Diversidade no Antropoceno da UFBA (Universidade Federal da Bahia), enfatiza o papel da pesquisa de biodiversidade feita localmente.
“O fato de termos a maior biodiversidade do planeta já nos deixa em uma posição de destaque em relação ao resto do mundo, mas também de responsabilidade”, diz. “Embora muita da pesquisa sobre biodiversidade venha do Norte Global, já que foi ali que surgiram as primeiras pesquisas no tema, eles não vivem o impacto das mudanças climáticas como vivemos aqui.”
O relatório também destaca o papel das universidades em estudos sobre biodiversidade, com o Brasil apresentando 20 das 30 instituições que mais produzem estudos sobre o tema —a USP está em primeiro lugar, seguida da Universidade Autônoma do México, Unesp, UFRJ e Unicamp.
Outra contribuição vem de empresas fomentam pesquisas na área, avalia o biólogo, consultor ambiental e empresário Sérgio Marques de Souza. Ele é um dos sócios da Archos Biodiversidade, startup que presta serviços de monitoramento de fauna para empresas de commodities e também coordena projeto da Fapesp com nova tecnologia para acompanhamento de animais silvestres.
“Não é apenas por uma demanda de legislação ambiental, mas hoje muitas empresas sentem essa necessidade de mostrar para seus consumidores finais quais as medidas para reduzir o seu impacto. Não adianta ter uma área de mata conservada sem espécies-chaves [que garantem a qualidade do ecossistema, como predadores de topo de cadeia ou dispersores de sementes]”, diz.
“Um estudo de monitoramento de fauna com dez anos de duração provavelmente não terá apoio da Fapesp nem de outros órgãos de financiamento, mas as empresas podem estar interessadas.”