Um megamural de 1.500 metros quadrados inaugurado nesta quarta-feira (23) na região central de São Paulo faz uma denúncia ambiental em imagem, mensagem e matéria-prima.
A imagem é da jovem liderança indígena munduruku Alessandra Korap, do Médio Tapajós, entre o Pará e Mato Grosso, uma das regiões campeãs de desmatamento do Brasil.
Ela segura um cartaz com a mensagem: “Pare a destruição, stop the destruction, keep your promises” (pare a destruição, mantenha suas promessas, em inglês).
A matéria-prima usada na pintura foram tintas fabricadas a partir de cinzas das queimadas que transformaram parte do Brasil em pó em 2024 e a partir da lama das enchentes que fizeram submergir o Rio Grande do Sul em maio deste ano.
Localizado na empena cega de um prédio na avenida Brigadeiro Luís Antônio, a dois quarteirões da avenida Paulista, o mural foi criado por Mundano, autointitulado artivista, uma fusão das palavras “artista” e “ativista”, conhecido por suas obras públicas ligadas a temas socioambientais e pela pesquisa de pigmentos a partir de crimes ambientais.
“A ideia foi representar uma ativista viva, como a Alessandra, e levantar essa voz que não é só dela, não é só dos mundurukus, não é só dos povos originários, mas de milhões de pessoas que já são afetadas hoje por secas extremas, enchentes históricas, ondas de calor e outros fenômenos climáticos”, explica Mundano.
Os mundurukus lutam pela demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu enquanto combatem madeireiros e tentam impedir grandes projetos em seu território, como uma usina hidrelétrica e uma ferrovia para transporte de soja, a Ferrogrão, entre outros projetos de grande impacto.
As cinzas utilizadas na fabricação das tintas foram enviadas da amazônia, do cerrado, da mata atlântica e do pantanal, biomas atingidos pelas queimadas deste ano. “Eles estão sendo destruídos para abrir espaço para lavouras de soja que vendem sua produção para a Cargill”, disse Mundano.
A gigante multinacional de commodities agrícolas é uma das maiores empresas privadas dos EUA e a maior do agronegócio brasileiro. Seu lucro líquido no país dobrou e bateu recorde em 2023: R$ 2,5 bilhões.
No mesmo ano, a empresa anunciou um compromisso público de reduzir a zero o desmatamento e a conversão de terras de sua cadeia de produção direta e indireta no Brasil.
“Só que 2025 é amanhã. E a Cargill está financiando e apoiando a construção da Ferrogrão [ferrovia que corta a amazônia, margeando áreas indígenas], que vai fazer crescer a produção e escoamento de grãos numa área que não tem terra disponível, ou seja, terra já desmatada”, afirma Mundano.
“Eles são responsáveis quando criam essa demanda de exportação de grãos para a China e para a Europa, gerando uma expansão agrícola industrial que vai continuar o desmatamento e as queimadas que sufocaram o nosso país.”
Procurada pela Folha, a Cargill disse que respeita a liberdade de expressão do artista, mas diz que “o mural baseia-se em relatório que é impreciso e as afirmações contidas nele deturpam o trabalho da Cargill e as nossas cadeias de abastecimento”.
A empresa afirma estar “no caminho certo para cumprir” seu compromisso de eliminar o desmatamento das cadeias de abastecimento de soja, milho, trigo e algodão no Brasil, Argentina e Uruguai até 2025. E diz não fazer parte do consórcio formado para construir a Ferrogrão, projeto liderado pelo governo federal.
O fato de a mensagem do megamural ser em inglês, explica Mundano, é porque seu objetivo é chegar aos integrantes da família dona da Cargill, nos EUA.
Para isso, nomes de integrantes da família fundadora da empresa foram escritos e apagados ao longo da manhã de hoje. Cartazes com nomes de integrantes da família também devem ser enviados a eles nos EUA. “A gente não quer constranger, a gente quer mandar um lembrete: vocês fizeram uma promessa e não vêm cumprindo.”
O artista afirma que uma empresa do tamanho da Cargill e com os recursos que ela detém tem o poder de cumprir a promessa, criando um efeito cascata neste setor. “É disso que a gente precisa. De uma mudança sistêmica. E uma empresa líder no mercado pode também liderar essa mudança, o que pode significar um pouquinho menos lucro, mas a sobrevivência da espécie humana.”
Pedro Charbel, coordenador de campanhas para o Brasil na Amazon Watch, ONG envolvida na ação, afirma que a “a Cargill impulsiona a construção da Ferrogrão para aumentar seus lucros”.
“Este megaprojeto para expandir ainda mais a produção de soja e milho é a antítese do compromisso da empresa de eliminar o desmatamento. A família Cargill-MacMillian deveria suspender o apoio da Cargill à Ferrogrão e ajudar a interromper definitivamente seu avanço.”