Começa com uma amizade entre uma criança real e um perfil falso numa rede social. O agressor se passa por alguém poucos anos mais velho. Inicia diálogos triviais, elogia uma foto, pergunta como foi o dia da amiga.
Ela diz que vai dormir e ele pede uma foto de pijama. A criança reluta, mas envia a imagem. Daí vêm novos pedidos e chantagens. Se a vítima resiste, o criminoso diz que a primeira foto será enviada à mãe. Com medo e culpada, a criança se entrega a um ciclo de exploração sexual virtual.
O relato é de Tarcila Teixeira, promotora de Justiça do Ministério Público do Paraná, e faz referência a um caso real de estupro virtual que durou cinco anos. Há 11 anos, Teixeira atua na repressão a crimes de pedofilia, exploração sexual e estupro virtual de crianças e adolescentes.
A promotora participou da sétima edição do Seminário Violência Sexual Infantil, promovido pela Folha em parceria com o Instituto Liberta na Unibes Cultural na quarta-feira (30).
Muitas vezes, crianças vítimas de estupro virtual são de famílias bem estruturadas, com pais e mães presentes, de acordo com a promotora. Mas isso não impede que sejam aliciadas e chantageadas por criminosos em aplicativos.
“Muitos devem estar pensando ‘minha filha jamais faria uma foto, jamais participaria de uma conversa dessa natureza'”, diz Teixeira. “Fariam, participariam, porque num primeiro momento o envolvimento se dá de forma que parece a conversa mais natural do mundo.”
Iniciada a chantagem, a criança não fala para os pais, por medo de ser repreendida. “Elas fazem tudo que for possível fazer para impedir que isso chegue ao conhecimento dos pais e familiares.”
Para interromper o ciclo, a solução é abrir diálogo franco com os filhos, perguntar se estão tendo conversas desse tipo, se alguma vez foram chantageados para que enviassem imagens, por exemplo. “Precisamos tirar esse assunto da invisibilidade […] fortalecer nossos filhos para que entendam que a culpa não é deles.”
“Há mais de dez anos eu falo disso, e achei que se eu falasse com pais, eles iam falar com as crianças e explicar o que estava acontecendo”, comentou Sheylli Caleffi, comunicadora e ativista pela erradicação da violência sexual e online.
“Mas não, adultos têm muita dificuldade de falar com crianças e adolescentes porque eles consideram sexualidade um tabu”, diz, argumentando que a educação digital não terá efeito se não houver educação sexual.
Em sua apresentação, Caleffi leu comentários reais postados numa espécie de concurso de comparação de fotos de crianças na internet, enquanto uma assistente, no palco, era cercada por tijolos de papelão com frases comumente direcionadas a crianças em plataformas sociais —”venda nudes”, “seja sexy”, “perca peso”, “R$ é o que importa”.
A ativista também comentou a profusão de esquemas de abusos contra crianças na internet. Citou o caso de uma garota de 13 anos que teve as fotos roubadas e expostas em perfis falsos –depois usados para disseminar sites de venda de imagens com conteúdo de abuso sexual infantojuvenil– e o comparou com golpes virtuais contra adultos, que geralmente miram dinheiro.
“Se o criminoso te encontrou [para dar golpe], ele também vai encontrar a criança e o adolescente. A diferença é que a criança não tem dinheiro”, argumentou. “Na mão do criminoso, a criança é um produto que ele vai comercializar.”