Para evitar e combater os casos de violência sexual infantil na internet, é preciso estabelecer ambientes de diálogo aberto com crianças e adolescentes, promover educação sexual nas escolas e implementar medidas de proteção mais eficazes em redes sociais, além de capacitar adultos para disseminar informações de prevenção, identificar sinais e acolher vítimas.
É o que dizem os especialistas do terceiro bloco do seminário Violência Sexual Infantil, realizado pela Folha em parceria com o Instituto Liberta nesta quarta (30), na Unibes Cultural, em São Paulo. Em sua sétima edição, o evento propôs que os convidados fizessem conferências de 15 minutos, ao modo TED Talks.
Amanda Sadalla, cofundadora e diretora-executiva da ONG Serenas, que atua desde 2021 na qualificação de agentes públicos para prevenir e responder à violência contra meninas e mulheres, iniciou sua fala com dois casos em que amigas tiveram, ainda na adolescência fotos íntimas expostas.
Ambas têm em comum o que ela classifica de violência de gênero facilitada pela tecnologia. Sadalla conta que, após palestras em escolas, é comum que meninas percebam que passaram por situações de aliciamento nas redes sociais, como no caso em que um agressor oferecia dinheiro para adolescentes e afirmava pagar mais por “novinhas” —um dos termos mais buscados em sites pornográficos no Brasil, ressalta.
“Vivemos em um país em que uma menina ou mulher é estuprada a cada seis minutos. Quando colocamos a lente da tecnologia, isso é reforçado. Por isso, investir na resposta é muito importante, mas não basta, é preciso trabalhar nas raízes. Na violência facilitada pela tecnologia, elas são as mesmas dos crimes que do mundo offline: desigualdade de gênero e crença na inferioridade das mulheres e meninas.”
Para que crianças e adolescentes aprendam a ter relacionamentos saudáveis dentro e fora da internet, proteger dados e ter senso crítico sobre o que consomem e disseminam —tendo em vista que, nas redes, eles ficam expostos a conteúdos que incentivam violência contra meninas e mulheres—, Sadalla afirma que é necessário desconstruir a ideia de que os jovens já nasceram capazes de lidar com o mundo online.
“Prevenir é dialogar, apoiar os adolescentes com conhecimento e capacidade crítica para que eles tomem decisões qualificadas e informadas. Se [em palestra com meninos] eu tivesse apenas falado ‘parem de ver pornografia’, eles assistiriam ainda mais.”
A psicóloga Juliana Prates Santana, doutora em estudos da criança pela Universidade do Minho, de Portugal, defende que as escolas devem ser o principal ambiente de promoção da educação sexual.
Isso porque o tema ainda é cercado por preconceitos e desinformação em núcleos que não compreendem que educação sexual não consiste em “ensinar sexo”, mas em abordar sexualidade como parte importante do desenvolvimento humano e dar ferramentas para que crianças e adolescentes se protejam. Além disso, nem sempre há certeza de que as casas são locais com garantia de proteção e segurança.
De acordo com a edição de 2024 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 61,7% das ocorrências de estupro e estupro de vulnerável —quando as vítimas têm menos de 14 anos ou não têm condições de consentir o ato— registradas em 2023 ocorreram em residências. Em 49,8% dos casos no mesmo período, os agressores eram familiares das vítimas.
Outro ponto importante, diz Santana, que também é professora do Instituto de Psicologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia), é a criação de ambientes em que jovens não tenham medo e vergonha —normalmente despertados por diálogos moralistas e prescritivos com adultos— para compartilhar dúvidas, curiosidades, angústias e transformações do corpo.
“Precisamos defender e desmistificar a educação sexual, porque é uma medida eficaz de proteção de crianças e adolescentes, não uma disputa ideológica e partidária. A educação sexual na escola permite que a realidade seja mais equânime, justa, igualitária e protetiva para as crianças.”
Paulo Rená Santarém, pesquisador do Iris (Instituto de Referência em Internet e Sociedade), destaca a responsabilidade dos grupos que controlam as plataformas digitais na repressão dos crimes sexuais. “As empresas estão muito aquém do que poderiam fazer. Há iniciativas de verificação de idade, mas são medidas atrasadas e insuficientes.”
Na apresentação, Santarém listou cinco impactos negativos do uso das redes para crianças e adolescentes sem que haja regulamentação que defina os deveres das empresas: prejuízos à educação, exposição à desinformação, vulnerabilidade diante de agressores, danos à saúde mental e degradação de relações familiares.
“Muitas famílias não estão preparadas para lidar com essas situações. Quais têm tempo e conseguem acompanhar os hábitos online de crianças e adolescentes?”, questiona.