Em uma alteração não divulgada da política de privacidade, a rede social X, do bilionário Elon Musk, informou que tornará obrigatória, no dia 15 de novembro, a coleta de publicações e outras informações dos usuários para treinar modelos de aprendizado de máquina e inteligência artificial.
“Por muito menos, a ANPD [Autoridade Nacional de Proteção de Dados] suspendeu a IA da Meta no Brasil”, escreveu na rede social o diretor do Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio) e colunista da Folha, Ronaldo Lemos.
Procurado via email, o X não respondeu até a publicação desta reportagem. O antigo Twitter deixou de ter representação de imprensa no Brasil, desde que Musk o comprou.
As novas regras derivam de uma única frase, segundo Lemos: “Se você continua a usar nossos produtos ou serviços em ou após 15 de novembro de 2024, estará concordando com os termos de serviço e política de privacidade atualizados do X.”
A única maneira de recusar a prática, em vista disso, seria deixar a plataforma. Não existirá mais, diz Lemos, o direito de se opor a esse uso de dados, que é garantido pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e respaldado pelo direito fundamental à proteção de dados pessoais.
Segundo o professor de direito digital da Fundação Getulio Vargas Luca Belli, as imposições da plataforma são “totalmente ilegais”. O aditivo cria uma brecha para a plataforma de Musk desrespeitar a opção de oposição ao tratamento de dados presentes nas próprias configurações.
As mudanças são válidas para modelos de IA generativa ou não, segundo outro trecho adicionado ao documento do X.
O novo contrato ainda seria abusivo e desproporcional, sob interpretação do Código de Defesa do Consumidor, de acordo com Paulo Rená, pesquisador do Iris (Instituto de Referência em Internet e Sociedade). “Abre espaço para o sistema de defesa de direitos do consumidor atuar.”
A plataforma já havia começado, em julho, a usar tuítes para o desenvolvimento da inteligência artificial generativa Grok, que fica integrada ao X.
O uso de textos, imagens e vídeos de redes sociais para desenvolver grandes modelos de linguagem, como o ChatGPT, está sob contestação na Europa. Ainda está sob investigação no Brasil, onde a ANPD expediu uma medida cautelar para impedir a dona do Instagram, a Meta, de colocar isso em prática, e depois voltou atrás após ajustes da big tech.
A autoridade brasileira averigua possíveis violações da LGPD, como o processamento de informações pessoais de crianças sem os devidos cuidados.
Questionada sobre o caso do X, a ANPD não se pronunciou até a publicação desta reportagem. Um dos argumentos da autoridade na decisão contra a Meta foi a dimensão da audiência da empresa —cerca de 110 milhões de pessoas no Instagram, e outras 102 milhões, no Facebook.
Diferentemente da Meta, que avisou em maio que pretendia usar os dados de seus usuários, o X não avisou quando fez esta última mudança nem a de julho. Uma versão anterior da página do Grok, arquivada na internet, de 27 de junho, indicava que a IA não utilizava dados do usuário até então.
Para justificar a cautelar contra a Meta, a ANPD afirmou que o uso de publicações de redes sociais para treinar modelos de linguagem gera “risco iminente de dano grave e irreparável ou de difícil reparação aos direitos fundamentais dos titulares afetados”.
Desde que Elon Musk comprou o Twitter em outubro de 2022, não houve divulgação de dado oficial sobre o número de usuários da rede social. Em balanço sobre o último trimestre de 2021, quando a empresa ainda estava na Bolsa, eram 217 milhões de usuários no mundo, e o Brasil era o quarto país mais ativo na rede.
Também em julho, Musk anunciou a aquisição de 100 mil unidades de processamento gráfico da Nvidia, para criar um “supercentro” de treinamento de inteligência artificial na cidade de Memphis, nos Estados Unidos. Será a maior planta do gênero no país.
Assinantes do pacote X Premium+, vendido por R$ 84 mensais, podem ter acesso ao Grok 1.5.