Camundongos machos interagem com fêmeas como forma de distrair outros machos potencialmente agressores e, assim, evitar conflitos, segundo uma pesquisa publicada no último dia 15 na revista PLoS Biology.
Observando o comportamento de machos fugindo de um confronto com outros, os pesquisadores viram que os primeiros podem chegar a sacrificar um tempo gasto com as fêmeas —e, assim, reduzindo suas chances de sucesso reprodutivo— a fim de evitar brigas.
Além disso, o estudo mostrou que os roedores podem apresentar diferentes comportamentos (fuga, luta ou distração) de acordo com a “leitura do ambiente”. Por exemplo, ratos que são normalmente agredidos (hierarquicamente mais baixos) vão apresentar com maior frequência o comportamento de distrair o agressor com uma fêmea e depois soltá-la, deixando o caminho livre para o agressor (hierarquicamente mais alto) contatá-la.
Esse comportamento, chamado pelos pesquisadores de “isca-e-troca”, parece mitigar as chances de um confronto, uma vez que brigas físicas raramente ocorrem após a estratégia de defesa. Outra característica observada que faz dessa estratégia um comportamento único é que são os machos agredidos que iniciam esse mecanismo, e não as fêmeas.
Segundo os autores, esse comportamento reflete a habilidade de animais de interpretar informações do ambiente e tomar decisões melhores para evitar ameaças.
Embora tenha sido feito usando modelos de animais, Joshua Neunuebel, pesquisador do departamento de Ciências do Cérebro e Psicológicas da Universidade de Delaware (EUA) e autor correspondente do estudo, os achados poderiam ser aplicados a outros animais sociais.
“A ideia de distração, por exemplo, não é nova. Minha própria mãe a usava comigo e meu irmão durante viagens de carro quando brigávamos —ela apontava algo interessante do lado de fora para desviar nosso foco. Animais, assim como humanos, são altamente adaptáveis e usam comportamentos flexíveis para evitar perigos. Não me surpreenderia se outras espécies usassem uma estratégia semelhante de ‘isca-e-troca’, e acredito que estudos futuros possam revelar esse fenômeno”, brincou Neunuebel em entrevista à Folha.
Os pesquisadores analisaram 11 grupos com quatro camundongos cada (dois machos e duas fêmeas) em espaços separados. Os animais foram gravados por cinco horas e seus comportamentos foram computados.
Em seguida, os cientistas empregaram uma tecnologia de IA (inteligência artificial) para detectar padrões de comportamento, que posteriormente foram validados pelos pesquisadores. Eles chegaram a um total de 3.413 interações agonísticas (negativas) entre machos, com perseguição e fuga ocorrendo em 2.562 e 851 delas, respectivamente.
Segundo Neunuebel, o algoritmo tem mais de 95% de acurácia e, por isso, os comportamentos observados devem de fato ocorrer entre os animais, embora ele não descarte que algumas outras interações possam ser mascaradas.
“O modelo processa uma enorme quantidade de dados estatísticos para cada quadro gravado, e depois classificamos manualmente comportamentos positivos e negativos que nos interessam”, explicou ele. “O programa aprende com esses exemplos, permitindo que reconheça padrões semelhantes automaticamente. No entanto, outros comportamentos de submissão masculina também podem ocorrer, mas não os vimos de forma proeminente em nossas gravações”.
O pesquisador disse que outro estudo, futuramente, pode explorar esses comportamentos de submissão mais de perto.
Outro fator mencionado por ele é que animais em cativeiro com certeza devem ter suas ações influenciadas pelas condições de aprisionamento, mas estudar roedores na natureza impõe outros desafios. Ainda, o neurocientista espera analisar no futuro as trocas de neurotransmissores cerebrais e outras atividades neurais envolvidas durante esses comportamentos.
“Já estamos planejando experimentos para registrar a atividade neural durante essas interações de isca e troca, então esse é um próximo passo bem excitante”, disse.
Por fim, embora camundongos sejam muitas vezes utilizados em estudos como modelos animais para comportamentos humanos, Neunuebel acredita ser difícil conseguir desenvolver tais experimentos com seres humanos –além de terem questões éticas envolvidas.