Mesmo com a garoa persistente, o céu acinzentado da zona norte paulistana ganhou, por alguns instantes, uma coloração avermelhada na tarde deste sábado (2), Dia de Finados. De longe, para usar uma referência do universo das artes plásticas, pareciam pingos espirrados pelo norte-americano Jackson Pollock (1912-1956), famoso por desenvolver uma técnica conhecida como gotejamento. Sem o teor raivoso do pintor, o que se viu ali, na verdade, foi uma chuva de pétalas de rosas.
Primeiro, por volta das 15h, elas caíram sobre uma área de 225 mil metros quadrados do cemitério Dom Bosco, em Perus, onde existem 27 mil jazigos. Pontualmente às 16h, o banho de pétalas vindo do céu cobriu parte dos 29 mil túmulos do cemitério Vila Nova Cachoeirinha, que ocupa 232 mil metros quadrados. Cada um dos cemitérios recebeu 100 kg de corolas.
Enquanto as pétalas eram lançadas do alto por dois helicópteros, os visitantes foram acompanhados por violinistas e saxofonistas, que tocaram músicas clássicas de compositores como os alemães Johann Sebastian Bach (1685-1750) e Ludwig van Beethoven (1770-1827), além de sucessos de MPB.
“Não sabia que ia ter chuva de rosas”, disse Karina Harumy da Silva Yoshimura, 41, comerciária, moradora da Barra Funda, zona oeste.
Umbandista, ela estava vestida toda de branco. No Cachoeirinha, levou flores e acendeu velas em homenagem aos avós e tios paternos.
“A irmã do meu pai tinha o costume, antes de partir dois anos atrás, de trazer toda a família ao cemitério nesta data tão importante. Agora, estou cumprindo essa missão”, afirmou, emocionada.
As pétalas de rosas vermelhas que caíram do céu vieram de Holambra, no interior paulista, tradicionalmente conhecida pelo cultivo de flores e plantas ornamentais.
De acordo com Rodrigo Macedo, 48, diretor de operações da concessionária Cortel São Paulo, elas chegaram à cidade na última quinta (31). Ficaram armazenadas em salas refrigeradas antes de embarcar em dois helicópteros que partiram neste sábado do aeroporto Campo de Marte, também na zona norte paulistana.
Pelo asfalto, a distância do primeiro lançamento seria de 27 km, enquanto a do segundo cairia para 10 km, aproximadamente.
É o segundo ano consecutivo que a Cortel São Paulo organiza a chuva de pétalas de rosas. A concessionária administra cinco cemitérios na capital paulista: além de Dom Bosco e Vila Nova Cachoeirinha, Araçá, São Paulo e Santo Amaro. Somente nos dois primeiros houve o lançamento de corolas. Todos eles, porém, contaram com a participação de duplas formadas por violinistas e saxofonistas, tocando das 8h às 16h, com uma programação que incluiu missas e distribuição de água, pipoca e doces.
O cemitério Vila Nova Cachoeirinha foi o único deles que recebeu duas duplas de músicos, os violinistas Wallace Franklin e Gustavo Martz, e os saxofonistas Gabriel Toledo e Marcos Sousa, por causa do grande fluxo de visitantes. No ano passado, por exemplo, 50 mil pessoas passaram por lá, número maior do que o somado aos outros quatro sepulcrários, de acordo com a concessionária —ela não divulgou, todavia, quanto foi gasto nas ações.
Devido à chuva forte na capital na parte da tarde, o fluxo de visitantes aparentemente foi menor, mas ainda não há uma previsão de quantas pessoas foram ao local.
Além desse caráter, digamos, lúdico, em homenagem aos familiares dos mortos, a iniciativa também teve o propósito de promover o recadastramento dos proprietários de jazigos. Dos 5 cemitérios sob a concessão da Cortel São Paulo, já é possível fazer isso via online (cortelsp.com.br/recadastramento) em 2 deles: Santo Amaro e Araçá. Nos outros três, os responsáveis pelos túmulos devem procurar a administração do cemitério para regularizar a situação.
Conforme determina o processo de permissão cedida pela Prefeitura de São Paulo à iniciativa privada, o recadastramento precisa ser feito nos primeiros quatro anos de concessão —ou seja, deve ir até o início de 2028. “Mas ele precisa ocorrer logo após a convocação”, explica Macedo. “Caso contrário, os jazigos podem ser considerados abandonados e passam para as mãos das concessionárias.”
Ainda no cemitério de Vila Nova Cachoeirinha, grupos de bolivianos comemoraram o Dia dos Mortos. Pela tradição de povos originários andinos da Bolívia, comida e bebida são oferecidas para os visitantes que venham rezar pelos entes falecidos.
Há 22 anos no Brasil, o modelista Roly Atto, 37, fez uma celebração em homenagem à irmã e ao tio de seu cunhado, ambos enterrados no país de origem.
O banquete foi oferecido a 60 pessoas. “Toda a comida não pode ser levada para casa, ela precisa ser doada, por isso, muitas famílias veem ao cemitério para rezar pela alma dos homenageados”, explica Atto.
A oferenda principal são pães moldados como corpos, inclusive com as carinhas de homens e mulheres. Bebida alcoólica, como cerveja, é permitida, porque é um dia de muita alegria, explicou o modelista.
O Dia de Finados também contou com uma programação especial nos cemitérios administrados pela Consolare: Consolação, Quarta Parada, Santana, Tremembé, Vila Formosa 1 e 2, e Vila Mariana. Tendas foram erguidas para acolher missas para familiares e amigos que foram homenagear seus entes queridos.
Além disso, os espaços contaram com apresentações musicais, com violino instrumental, é, é claro, teve chamado para o recadastramento.