Falar de mudanças na segurança pública no Brasil é igual falar de reformas do Conselho de Segurança da ONU. Todos concordam que são tarefas necessárias e urgentes. Porém, sempre que uma proposta de alteração estruturante vem à tona, ela é bombardeada de todos os lados. Em um eterno jogo de soma zero e de vetos, as questões de fundo ficam em um eterno porvir e à espera da próxima crise e das reações ao mesmo tempo inócuas e mirabolantes.
No caso, o temor é que isso esteja acontecendo com a PEC da Segurança Pública, desenhada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e apresentada aos governadores, representantes do Congresso, do Judiciário e do Ministério Público após meses engavetada na Casa Civil, pelo governo federal.
A PEC está estruturada em um tripé que contempla a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e dos Fundos Nacionais de Segurança e Penitenciário, bem como na ampliação das competências da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Seu principal objetivo é estabelecer diretrizes nacionais comuns e aumentar a capacidade de ação da União na área. Ela foca, por exemplo, a ideia de se criar parâmetros comuns de produção de dados e informações, algo básico ao planejamento integrado de ações mas até hoje inexistentes.
Por trás dessa proposta de alteração constitucional está o diagnóstico de que os elevados níveis de vitimização criminal e a impunidade que reina no país derivam não só das dinâmicas da criminalidade, mas dos ruídos e omissões do pacto federativo e das deficiências de gestão e governança pública das políticas públicas de prevenção à violência e enfrentamento da criminalidade, que envolvem quase 1.600 diferentes corporações (polícias federais ou estaduais, bombeiros militares, guardas municipais). E isso só no plano do Poder Executivo, sem falar dos da atividade dos demais órgãos (MP, Receita, Banco Central, etc.) e Poderes (Legislativo e Judiciário) na área.
Alguns estão dizendo que a PEC é insuficiente; outros, que ela concentrará ou, em sentido inverso, esvaziará poder de atores estratégicos; há ainda quem defenda priorizar problemas mais imediatos, como o crime organizado. E tem aqueles que discordam sinceramente das premissas e concepções por trás das propostas de reforma, ou que acreditam que o momento político não é o mais adequado para trazer o tema à pauta, pois os riscos de ruptura política envolvidos são altos demais. Na prática, a PEC está sob pesado fogo amigo e de setores da oposição que viram nela a oportunidade de se posicionarem no jogo político.
Nesse ambiente, de nada adianta argumentar que a proposta é o pontapé inicial de um amplo processo de construção de convergências. As reações não são, necessariamente, racionais. É óbvio que a PEC pode e deve ter seu texto melhorado e ajustado. Está longe de ser um projeto acabado ou perfeito, mas tem o grande mérito de nos tirar da inércia e de nos lembrar da urgência da tarefa de arrumação da casa, com critérios mínimos de atuação e cooperação federativa. Afinal, é preciso reiterar que reformas que ampliem a eficiência democrática das políticas de segurança envolvem a ação articulada e coordenada do Estado. Sem isso, ficará difícil promover mudanças de impacto no setor.