Aproveitando a proximidade das eleições nos Estados Unidos, estreou nesta semana o podcast “The Sons of Patriarchy” (“Os Filhos do Patriarcado”), que discute o impacto político e cultural de um pastor controverso, Douglas Wilson, acusado de encobrir casos de abuso e pedofilia. Wilson é influente também no Brasil e, em janeiro deste ano, gerou polêmica ao ser escolhido como palestrante principal na maior conferência evangélica do país, apesar de sua visão ambígua sobre a escravidão.
A convidada do primeiro episódio foi a historiadora Kristin Du Mez, autora do livro “Jesus e John Wayne: como o Evangelho Foi Cooptado por Movimentos Culturais e Políticos”. A obra expõe a conexão entre nacionalismo cristão e abuso na trajetória política dos EUA desde a primeira metade do século 20, quando o astro de cinema John Wayne, conservador convicto, tornou-se símbolo de virilidade e presença constante em comícios como “garoto-propaganda” da direita cristã.
O livro oferece uma visão útil para entender o contexto atual, em que Donald Trump, mesmo com uma conduta controversa —incluindo falas misóginas documentadas e acusações de assédio e estupro feitas por pelo menos 24 mulheres desde 1970—, é considerado o candidato dos evangélicos. Du Mez dedica um capítulo a Wilson e à postura belicosa de sua igreja em Moscow, Idaho. Em comum entre Trump e Wilson, está a promoção de uma masculinidade viril e um nacionalismo autodeclarado “cristão” como sustentáculos de uma sociedade vencedora — um ponto-chave para entender essa confluência.
No podcast, Du Mez ressalta que, ao final do século passado, o “evangélico compassivo” era uma figura mais comum, e pastores combativos como Wilson eram uma minoria vista como excêntrica. Hoje, testemunhamos uma virada: muitos cristãos americanos sentem falta da época de Wayne, lamentando que o país esteja “feminizado” e defendendo que a compaixão seja substituída por heróis que resistam ao feminismo, que consideram uma ameaça à estrutura familiar. Nesse cenário, a fama de Wilson tem ganhado força e reconhecimento mundial.
Wilson tenta persuadir seus seguidores a votarem em Trump. Para ele, a escolha é evidente: a agressividade do republicano é uma resposta bem-vinda a uma agenda esquerdista igualmente agressiva. Há líderes evangélicos conservadores no Brasil que compartilham dessa visão: frente à ameaça, não veem importância na truculência, na linguagem rude e no tratamento degradante dado às mulheres, tanto por Trump quanto por Wilson.
Por conta desse inimigo comum, muitos recusam-se a acreditar nas histórias de abuso que se acumulam no ministério de Wilson em Moscow e em igrejas afiliadas —casos que o podcast promete explorar nos próximos episódios. Enquanto isso, sobreviventes de abuso espiritual e sexual em igrejas evangélicas manifestam unanimemente sua rejeição a Wilson e Trump, denunciando-os com veemência em suas redes sociais.
Embora o ativismo de esquerda defenda em alguns momentos o fim da família tradicional, é preocupante que, no Brasil, ao imitarmos o conservadorismo americano —o que já ocorre em diversos aspectos—, possamos comprometer a proteção contra abusos junto com a rejeição ao anticristianismo militante.
Quem conhece o Cristo das Escrituras sabe que Ele subverteu o poder de várias formas. Ensinou aos discípulos que o verdadeiro líder é aquele que serve, ao ponto de se humilhar —como Ele mesmo, sendo Deus, se humilhou ao se fazer homem e morrer como um malfeitor. Em uma cultura complexa, tratou com amor tanto mulheres quanto crianças.
Esse Jesus não deixaria de reconhecer o abuso em suas igrejas, mas se levantaria com firmeza pelas vítimas. Nós, evangélicos brasileiros preocupados com os acordos entre poder e religião, tão danosos para os vulneráveis, precisamos de líderes que reflitam a firme compaixão de Jesus.