Em 1980, cerca de 4,6 milhões de crianças menores de 5 anos morriam por ano devido à diarreia. Atualmente são 444 mil. Essa redução se deve a uma intervenção extremamente simples: a terapia de reidratação oral (TRO). No Brasil, a TRO também é chamada de soro caseiro.
TRO é uma mistura de água, sal e açúcar que pode ser administrada por via oral, sem a necessidade de assistência médica especial. Em 1978, foi considerada pela revista médica The Lancet como o avanço médico mais importante do século. Em 1987, o Unicef declarou que “Nenhum outro avanço médico do século 20 teve o potencial de evitar tantas mortes em um período tão curto de tempo e a um custo tão baixo”.
A TRO foi desenvolvida, testada e aperfeiçoada por dois médicos americanos, Richard Cash e David Nalin. Ao chegarem a Bangladesh, em 1967, a única forma de tratar desidratação devido à diarreia era intravenosa. Entretanto, grande parte das unidades de saúde não possuíam equipamentos para administrar fluidos de forma intravenosa e o treinamento de profissionais também era precário.
Ou seja, era preciso achar uma solução efetiva, de baixo custo e que fosse de simples implementação. Em 1968, Cash e Nalin foram os primeiros a demonstrar a efetividade da TRO. A partir de 1979, a TRO se tornou a principal intervenção de programas de controle de doenças diarreicas no mundo.
É difícil saber ao certo quantas vidas foram salvas por causa da TRO. A estimativa é que tenham sido mais de 80 milhões desde 1982. No Brasil, a mortalidade infantil devido à diarreia caiu quase 94% entre 1980 e 2005.
Ao relembrar esse feito histórico, no último dia 22 a saúde pública se enlutou. Richard Cash morreu, aos 83 anos.
Richard lecionava na Universidade Harvard desde 1977. Era um excelente professor, dedicado mentor, um colega de departamento extremamente generoso. Para mim, Richard era um amigo. Uma pessoa que tornou minha jornada em Harvard mais humana, leve e transformadora.
Ao escrever sobre os 50 anos da TRO, Cash e Nalin destacaram cinco lições sobre a descoberta dessa terapia.
Primeiro, que evidências científicas de qualidade são cruciais para o desenvolvimento, a implementação e a assimilação de inovações clínicas ou preventivas. Segundo, que tem muita importância a pesquisa de campo, estar no local onde o problema acontece. Terceiro, que os ensaios de campo e o apoio financeiro são fundamentais para a pesquisa e a inovação. Quarto, a importância da continuidade da pesquisa a fim de aprimorar intervenções. Quinto, mesmo depois de 50 anos de sucesso, ainda é preciso escalar a TRO.
Essas lições são válidas para a saúde pública e para as tomadas de decisão! A importância da pesquisa de campo, de estar no local onde o problema acontece, de ouvir as comunidades afetadas e de entender as vulnerabilidades do local deveriam ser conteúdo obrigatório em cursos que treinam pesquisadores e profissionais de saúde.
Embora muitos achem que tecnologias sofisticadas são necessárias para lidar com problemas difíceis, é preciso atentar para soluções simples. Como dizia Richard, “é realmente muito mais difícil fazer algo simples do que torná-lo complicado”.
Richard, obrigada por tudo, por tanto. Descanse em paz, meu amigo.
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