Um vídeo nas redes sociais questiona quando a sociedade irá passar a discutir a exaustiva jornada das mães, que dedicam 24 horas a cuidar de seus filhos, enquanto pais não fazem o mesmo.
Trata-se de uma crítica ao debate acerca do fim da escala 6×1, medida que consta em PEC (proposta de emenda à Constituição) a ser protocolada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), com base no que defende o movimento VAT (Vida Além do Trabalho).
Para mulheres desavisadas, o questionamento no vídeo parece trazer à tona um problema não percebido pela sociedade, e que estaria sendo ainda mais ofuscado com as discussões sobre a jornada de 44 horas semanais prevista na Constituição Federal brasileira.
Mulheres dedicam 9,6 horas a mais que homens nos cuidados com a casa, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O que as desavisadas não percebem é que o fim da exaustão materna passa justamente pela mudança na escala 6×1, que impede especialmente mães —ainda mais as de periferia— de dedicar tempo de qualidade a seus filhos, sua família, sua casa, seus estudos, sua saúde e seu autocuidado.
E mais, a escala na qual se trabalham por seis dias da semana e se descansa em um deles atinge também os homens, que utilizam o dia livre para descansar e deixam sob a responsabilidade das mulheres toda a manutenção de um lar.
O trabalho de cuidado feminino, invisível para a sociedade, exaustivo para mães, que sustenta o capitalismo e beneficia o sistema patriarcal tem sido discutido há décadas pelo movimento feminista, movimentação de mulheres que pregam igualdade entre sexos e rompimento de padrões que nos oprimem e nos adoecem.
O problema é a demonização do feminismo e, agora, a mais recente tentativa de inviabilizar o debate sobre trabalhar menos, descansar mais e dividir as responsabilidades por todos. Ou qual desculpa seria dada por um pai que tem três dias livres na semana e não assume tarefas domésticas?
Como um pai que não visita seus filhos justificaria essa ausência, quando é concedido a ele um descanso semanal de três dias?
Está claro que mudar efetivamente a jornada —limitando-a a 36 horas semanais de trabalho a ser exercido em quatro dias— não pode ocorrer do dia para a noite, sem debate e sem preparo. Dessa forma, mais uma vez, sofrerão as mulheres de periferia, que poderão ver sua renda reduzida ou ser jogadas ainda mais para a informalidade.
Sofreriam as mulheres que não têm trabalho com carteira assinada, não são CLT premium nem autônomas donas de seus dias.
A verdade é que há mães privilegiadas que podem dedicar 24 horas a seus rebentos e si, se assim o quiserem. Mas há outras —a maioria— obrigadas a dividir essas 24 horas em 9 horas de jornadas diárias de segunda a sexta-feira, com quatro horas para se deslocar de casa ao trabalho e vice-versa nos grandes centros, mais quatro horas de jornadas aos sábados, além dos cuidados com filhos, casa e família.
Restam, para essas mulheres, poucas horas de sono e nenhuma hora para autocuidado, saúde, bem-estar e estudo.
Sabemos que nem todas temos as mesmas 24 horas, e que certamente os três sonhados dias de descanso em uma nova jornada de trabalho também não serão iguais, mas precisamos entender que não é comprando o discurso de mulheres bem vestidas em vídeos a serviço do sistema patriarcal que vamos mudar a realidade.
O debate sempre esteve posto, precisa apenas ser levado bem a sério. Espero que saibamos travá-lo juntas, para defender os nossos direitos e não os de poucos privilegiados.
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